quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Sim, tenho saudades

A um ausente (Carlos Drumond de Andrade)

"Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste
"


Tenho saudades de tantas coisas que me foram arrancadas. Algumas delas, eu mesmo que arranquei. Outras foram decididas pelo Criador. E hoje eu até respeito a Vossa vontade. Àquelas que eu tive culpa... Não! Essas eu não entendo, nem me perdôo. E mesmo reconhecendo alguns erros é impossível voltar ao tempo. Impossível recolher marcas e lágrimas. Voltar ao passado é espalhar poeira. Sinto saudades de mim mesmo. Saudades de um "eu" que não sei quando voltará. Mas enfim... saudades são apenas saudades!